O caos se propaga no Rio de Janeiro. Estado institui “milícia oficial”, investimento em segurança pública não paga nem manutenção de elevadores, policiais de UPP morrem, mas não podem atirar… E sociedade carioca continua fingindo que nada acontece.
10/12/2015 –
Em audiência na Assembleia Legislativa do RJ, ontem, 09/12, José Mariano Beltrame criticou programa bancado pela Fecomércio. Secretário tentou explicar contratos superfaturados que assinou para a aquisição de viaturas da PM e reclamou também do orçamento da pasta, dizendo ter apenas 230 000 reais para investir.
________________
A Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa (Alerj) do Rio de Janeiro ouviu, na tarde desta quarta-feira, o secretário estadual José Mariano Beltrame. Deputados que vinham fazendo duras críticas à gestão da pasta, desta vez, baixaram o tom, e não protagonizaram os costumeiros e acalorados embates dessas sessões. Beltrame, que foi com uma comitiva de cinco assessores, então, aproveitou para externar algumas das suas insatisfações em relação a medidas do governo fluminense. A crítica mais forte ficou para o convênio firmado entre o Estado e a Federação do Comércio (Fecomércio), em outubro passado, com o projeto de policiamento no Aterro do Flamengo, na Lagoa e no Méier, utilizando policiais militares da reserva, aposentados e jovens recém-saídos das Forças Armadas. O projeto de 44 milhões tem prazo de dois anos e foi classificado pelo deputado Paulo Ramos como uma ‘milícia oficial’.
“O programa não trabalha em cima da mancha criminal. Quem paga, leva”.
O projeto foi feito sem que Beltrame tivesse tomado conhecimento: “Realmente não fomos consultados. Só tomei conhecimento dele no dia do anúncio oficial. Pode ajudar? Pode. Vejo como uma vigilância privada. Assim como um vigilante de shopping ajuda. Mas esse ônus virá da sociedade, que vai ter que pagar a conta depois. O contrato custa xis, e quando terminar vai ter que pagar mais xis por isso. Além disso, o programa não trabalha em cima da mancha criminal (onde há maior incidência de crimes). Quem paga, leva”, atacou.
O episódio representa uma das muitas rusgas que acabaram desgastando ainda mais a relação de Beltrame com o demissionário comandante geral da PM, Alberto Pinheiro Neto. Ele chancelou a ideia de outro coronel da PM, Anderson Fellipe Gonçalves, que já tinha implementado o parecido ‘Lapa Presente’. O governador Luiz Fernando Pezão aprovou a ideia, mas ninguém informou o secretário. Além dessas, três regiões, a próxima área contemplada com o programa será a Barra da Tijuca – com previsão para janeiro de 2016.
A convocação de Beltrame, na verdade, tinha como tema principal outro assunto. O secretário virou réu de uma ação de improbidade administrativa na 7ª Vara de Fazenda Pública por ter assinado contratos de aquisição e manutenção de viaturas da Polícia Militar que o Ministério Público considerou superfaturados. Nos acordos firmados com a empresa CS Brasil (que também usou o nome de Júlio Simões), o estado já desembolsou desde 2007 mais de 1 bilhão de reais. O secretário se defendeu usando os mesmos argumentos que já tinha usado na Justiça, sem sucesso: “Não tenho nada a temer e acha que o Estado ganhou com esse acordo”, disse Beltrame. Ainda de acordo com a denúncia do MP, com o valor pago por veículo, seria possível comprar três carros do mesmo modelo: “Não é como comprar um carro na concessionária. São 30 itens a mais, fora a manutenção”.
“O que me sobra para fazer investimentos é 230 mil reais. Não dá nem pra pagar os elevadores.”
A presidente da comissão, deputada Martha Rocha, se disse imediatamente satisfeita com a explicação. Outro deputado, Coronel Jairo, preferiu ficar reclamando que não consegue marcar agendas para discutir segurança pública com o secretário. E minimizou a questão. “Esse é um problema pequeno na segurança pública”, disse, referindo-se à ação em que os promotores pedem a devolução de 135 milhões aos cofres do Rio de Janeiro.
Passada esta fase do depoimento, Beltrame voltou a usar a sessão para desabafar. Primeiro, agradeceu os 70 milhões de reais dados pela Alerj para a reestruturação de bases das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Em seguida, reclamou do investimento feito na sua pasta. “Falam que o meu orçamento é de mais de 9 bilhões. É, mas tem aí incluído as folhas de pagamento, a PM, os bombeiros. O que me sobra para fazer investimentos é 230 mil reais”, disse, para surpresa dos deputados: “Não dá nem pra pagar os elevadores (manutenção)”.
“Policial de UPP não tem que atirar em ninguém”
O secretário de segurança pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, também anunciou nesta quarta-feira, durante seu depoimento à Comissão de Segurança da Assembleia Legislativa, que vai tirar os fuzis das mãos dos policiais das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) que patrulham favelas consideradas pacificadas pelo Estado. No próximo dia 15, 1000 carabinas .40 compradas serão distribuídas entre agentes que atuam nas 38 regiões. Seu objetivo é fazer com que a PM tenha, dentro desses locais, armas com menor poder de destruição. Dentro da Polícia Militar, no entanto, a medida causou polêmica, inclusive entre integrantes da cúpula, que alegam que essa retirada dos fuzis enfraquece os soldados justamente no momento mais crítico do projeto. Somente este ano, 13 policiais foram assassinados dentro das localidades contempladas com as UPPs.
As mortes mais recentes ocorreram na Favela do Jacarezinho, no último dia 6. Os soldados Inaldo Pereira Leão e Marcos Santana Martins foram emboscados e executados. O deputado Flavio Bolsonaro chegou a perguntar se não seria o momento de a secretaria de segurança rever o projeto, recuar e fazer uma mudança de estratégia. Beltrame disse que não, e anunciou a substituição do armamento: “Policial de UPP, em tese, não tem que atirar em ninguém. A bala do fuzil atravessa barracos. Essas armas novas causam um estrago menor”, disse.
“Na verdade, o policial tem que fazer três coisas: não morra, não mate, não minta. Então, abrigue-se e chame o irmão mais velho.”
Diante da insistência de que os bandidos estão cada vez mais ousados e vêm retomando o controle desses territórios considerados pacificados, o secretário chegou a fazer uma brincadeira: “Na verdade, o policial tem que fazer três coisas: 1 – não morra. 2 – não mate. 3 – não minta. Então, abrigue-se e, como diz o Pinheiro Neto (comandante da PM), chame o irmão mais velho, no caso o COE (Comando de Operações Especiais)”.
Consultor de segurança pública e um dos maiores especialistas em armas do país, Vinicius Cavalcante é contra a retirada dos fuzis das favelas com UPPs. “Nas áreas onde os soldados podem precisar contrapor tiros que vem de cima ou de uma distância maior, as carabinas .40 são anêmicas e não vão se prestar ao que se espera. Nas UPPs o cara infelizmente ainda precisa ter fuzil”, afirma.
43 ataques em uma semana – Dois oficiais ouvidos pelo site de VEJA não têm a mesma visão: “Há uma proliferação de fuzis nas favelas com UPP. Nossos soldados estão sendo atacados e mortos o tempo todo. Mesmo assim, vamos diminuir nosso poder de fogo. Ou seja: vamos para um território conflagrado com armas menos poderosas do que as dos criminosos”, diz o comandante de uma UPP, que pediu para não ser identificado. Para ilustrar esse discurso, o oficial apresentou um dado impressionante: somente nos oito primeiros dias de dezembro, bandidos atacaram policiais das UPPs 43 vezes. Além dos dois mortos no Jacarezinho, o soldado Chilon da Silva Ferreira, baleado na cabeça também no último dia 6, no Parque Proletário, no Complexo da Penha, segue internado em estado gravíssimo.
As polêmicas prometem não parar na questão da diminuição do poderio bélico dos soldados das UPPs. Em 2011, a PM mandou devolver 1550 carabinas modelo .30 compradas na primeira tentativa da secretaria de segurança de substituir os fuzis. As armas, fabricadas pela empresa Taurus, foram recolhidas e devolvidas em virtude de defeitos apresentados no estojo do carregador: “Durante os testes, elas engasgavam após uma sequência de disparos”, explicou a PM na época.
FONTE: veja.com
Deixe uma resposta